Invasão e depredacão às sedes dos três Poderes,em Brasília,no dia 8 de janeiro de 2023 — Foto: Cristiano Mariz/08-01-2023
Invasão e depredacão às sedes dos três Poderes,em Brasília,no dia 8 de janeiro de 2023 — Foto: Cristiano Mariz/08-01-2023
GERADO EM: 04/12/2024 - 19:57
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Com Lula,Alckmin e Alexandre de Moraes sepultados e a normalidade voltando ao Palácio do Planalto como se nada tivesse ocorrido de mais grave (afinal,Lula já estava indo muito ao médico,Alckmin não tinha carisma que lhe garantisse maiores nostalgias e o sumiço de Alexandre havia sido respaldado pelo ódio dos extremistas),Bolsonaro chega ao Palácio do Planalto para o primeiro dia de trabalho. Cabelos penteados à direita no gomex,andar altivo,reúne-se a portas fechadas com os filhos brancos,com os kids pretos e mais cinco ou seis militares leais.
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Ele precisa saber o que fazer ao volante do caminhão que acabara de tomar. Educação? “Desfaça-se o que foi feito,pensaremos depois”,responde. Saúde? “Desfaça-se.” Economia? “Desfaça-se,claro.” Cansado de tantas perguntas,quer saber de Paulo Guedes. “Ele está aí?” “Não senhor,Capitão”,responde Mauro Cid. Quando a reunião está por terminar e todos já se levantam (o dia está bonito e um general os espera à beira de maminhas e picanhas),alguém se lembra de algo. “E a Cultura,Capitão?” Bolsonaro fica em silêncio. Depois,ergue o rosto e ordena,inegociável: “Mandem restaurar a DCDP!”
A DCDP é a extinta Divisão de Censura de Diversões Públicas,que atuou entre 1972 e 1988,quando a Constituição a ceifou. Mesmo depois do fim da ditadura,em 1985,ela seguiu espionando discos,peças e filmes. Todo ditador que se preze tem um mimo desses. Antes,entre o AI-5 de 1968 até 1972,o trabalho de corte e costura ficou a cargo do Conselho Superior de Censura. Mas não tomemos o crédito de Getúlio Vargas. Foi ele quem criou,em 1934,o elegante Departamento de Propaganda e Difusão Cultural.
De qualquer forma é um aparelho custoso que precisa de técnicos culturalmente bem formados e atentos a tentativas de dribles poéticos. Eles lerão por ofício todas as letras das canções antes de serem lançadas,irão aos ensaios de todos os shows e peças teatrais antes de suas estreias e assistirão a todos os filmes antes que suas temporadas comecem. Todos precisarão de sua aprovação. Curioso foi que ninguém,porque não havia ninguém na sala que tivesse escutado uma música brasileira nova nos últimos 20 anos,tentou explicar a Bolsonaro que o Brasil não tem mais 90 milhões de pessoas como em 1970,mas 225 milhões. E que não são mais cinco ou seis gravadoras que concentram os lançamentos fonográficos no país,mas umas geringonças invisíveis chamadas de plataformas de streaming. “E daí?”,diria o Capitão. “Não sou DJ.”
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A DCDP é recriada e os homens do presidente começam a trabalhar. Só uma das empresas,o Spotify,envia para análise prévia 30 mil letras no primeiro dia. No segundo,chegam mais 35 mil. E no terceiro,40 mil. Ao final do mês,serão mais de um milhão de canções esperando para serem aprovadas. Os técnicos se desesperam e pedem reforços. Gloria Groove,Liniker,Chico César,Baco Exu do Blues e Djonga recebem o carimbo de vetados antes mesmo de serem ouvidos. Os filmes também são empilhados. Ninguém também avisou que,além dos 130 longas brasileiros lançados por ano nas salas de cinema,haveria centenas de séries e títulos apresentando mensalmente requerimentos para serem colocados nas plataformas. Os censores decidem vetar tudo o que aparecer com o nome de Fernanda Montenegro. Não ajuda muito. Por só conhecerem Fernanda,precisarão assistir a todos os outros para saberem de que lado seus filmes estão.
Bolsonaro é procurado pelo diretor do DCDP. Três meses se passaram e o departamento não conseguiu atingir nem 2% da meta de censuras anuais. Ele quer entregar o cargo. “Não se preocupe”,diz Bolsonaro. “Como não?”,responde o diretor. “Não fiscalizar os artistas será perigoso. Se insuflarem as massas contra o senhor,podemos enfrentar uma revolução.” Bolsonaro sorri com brilho nos olhos,como Ustra fazia diante de seus torturados,e sentencia sua última vingança: “Proíba todo mundo. Só libere os sertanejos.”